Pedro Biondi
Resumo em 5 pontos
- Certificações são uma forma de atestar que determinadas informações são verdadeiras.
- Nas atividades produtivas, o processo de certificação busca verificar e atestar que as etapas de produção e/ou de comercialização de um produto ou serviço enquadram-se em determinadas exigências. Elas estão listadas em normas que são documentos públicos. Existem certificados obrigatórios e de adesão voluntária.
- O enquadramento nessas exigências é verificado por instituições certificadoras independentes, credenciadas pelas instituições que formulam essas normas. Geralmente, o status em dia com esses quesitos é representado por um selo na embalagem, um elemento visual de fácil identificação para quem vai revender ou comprar aquela mercadoria.
- O sistema mais conhecido de certificação é o ISO. No Brasil e no mundo, vem crescendo a adesão a selos sustentáveis, como os da Rainforest Alliance, da Fairtrade e da Bonsucro.
- Em que pesem suas limitações e falhas, trata-se de uma ferramenta para a construção de sistemas de produção mais sustentáveis e relações mais justas de comércio.
Já ouviu alguém brincar que o trator usado que ele/a quer vender tem “ISO 9000”? Essa sigla numerada, que virou sinônimo de qualidade, denomina o conjunto mais conhecido de normas técnicas do principal sistema de certificação do mundo. ISO é a sigla do nome em inglês da Organização Internacional para Padronização, também traduzido como Organização Internacional de Normalização. O certificado 9000 estabelece um modelo de gestão da qualidade para organizações em geral.
Se você olhar no dicionário, vai ver que “certificação” (ou “certificamento”, termo menos usado no Brasil) é definida como ato ou efeito de certificar, afirmar que um fato é verdadeiro ou que uma informação é exata. Também pode ser o ato de emitir uma certidão. O sentido que estamos usando, que diz respeito a atividades produtivas, junta as duas coisas. Nesse contexto, o processo de certificação busca verificar e atestar que as etapas de produção e/ou de comercialização de um produto ou serviço se enquadram em padrões e sistemas de boas práticas – exigências trabalhistas, ambientais, sanitárias e cidadãs, principalmente.
Como saber que a fábrica daquele tênis para correr como o Usain Bolt não deixa o rio vizinho cinza? Que aquela bolsa baratinha, baratinha não resulta de trabalho escravo? Dá para ter segurança de que um tomate apetitoso não foi plantado em área de preservação?
Para bater o olho e saber
Geralmente, o atestado de conformidade com as normas e padrões de um sistema é representado por um selo na embalagem. É um sinal distintivo, um elemento visual de fácil identificação para quem vai revender, comprar ou fiscalizar aquela mercadoria. Você bate o olho e sabe que a cadeia produtiva, ao menos em tese, enquadrou-se naqueles quesitos (podem acontecer omissões, enganos e até fraudes).
Alguns certificados são de responsabilidade do Estado e têm caráter obrigatório. É o caso do SIF, exigido para a comercialização interestadual ou a exportação de produtos de origem animal. A sigla vem de Serviço de Inspeção Federal, criado há mais de 100 anos e de responsabilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Talvez você já tenha visto alguém perguntar se uma certa mercadoria é “sifada”.
Outras certificações, nacionais e internacionais, não são ligadas ao governo, e a adesão das empresas a elas é voluntária. Existem sistemas certificadores criados pelas próprias entidades representativas do setor empresarial. É o caso dos chamados selos Abic, da Associação Brasileira da Indústria de Café. E há instituições sem vínculo com o setor produtivo, ou conduzidas com o envolvimento de vários setores (multissetoriais), que credenciam instituições certificadoras independentes.
Trata-se de um eixo das políticas de responsabilidade social corporativa (RSC), que no nosso país ganharam corpo na década de 90.
Além da existência de normas claras e de caráter público (de livre consulta), os processos certificadores dependem da rastreabilidade, isto é, da possibilidade de verificar todo o caminho – tanto no sentido geográfico como no das etapas – que um produto percorreu até chegar à prateleira. Outro pilar consiste nas auditorias, inspeções para verificar o cumprimento progressivo das condições.
Selos sustentáveis
Boa parte dos processos certificadores dizem respeito a desenvolvimento sustentável, que é resumido como aquele que não prejudica as atuais e as futuras gerações. De forma simplificada, os selos de sustentabilidade asseguram que aquilo que está sendo comprado foi produzido de forma justa para as pessoas e adequada para o meio ambiente. Consta que o primeiro deles, chamado Blue Angel, foi lançado por uma companhia governamental alemã em 1978.
Hoje estão presentes da construção civil à criação de galinhas, da pesca em alto-mar à mineração, passando pela produção de frutas e hortaliças. Um diretório internacional chamado Ecolabel Index contabiliza 41 selos desse tipo em atuação no Brasil e 456 no mundo, originários de 199 países e de 25 setores da indústria. De acordo com um trabalho acadêmico que você pode conferir nas sugestões de leitura (ao fim do texto), de 1993 a 2010 foram criados quase seis novos selos por ano.
No nosso país, os três principais em atuação são os da Rainforest Alliance (em português, “aliança da floresta tropical”), da Fairtrade (“comércio justo”) e da Bonsucro, do setor sucroalcooleiro (da cana-de-açúcar).
O bolso manda
As pesquisas mostram que a quase totalidade da população brasileira vê a natureza como muito importante e se preocupa com o que acontece com ela. Vários levantamentos, nos planos nacional e internacional, mostram também que boa parte das pessoas se preocupa com os impactos ambientais e sociais nas suas compras. Por outro lado, muita gente tem dificuldade ou pouca paciência para ler os rótulos.
Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a adoção da certificação sustentável traz as seguintes vantagens:
- maior qualidade do produto ou serviço oferecido;
- diferenciação dos concorrentes;
- acesso a novos mercados ou nichos;
- possibilidade de mais linhas de crédito;
- melhoria da imagem da empresa.
No caso do café, os produtos chamados diferenciados (categoria que abrange os de qualidade superior e os certificados) valem, em média, 25% a mais que os comuns, na exportação. Na área madeireira, desde 2013 é proibida a venda de madeira e produtos derivados sem comprovação de sua legalidade em toda a União Europeia.
O cumprimento de determinadas normatizações, como o ISO 14001, pode baratear processos produtivos com base na economia de água, energia, papel e matéria-prima, enquanto a adesão a outros sistemas pode aumentar custos, em função de uma remuneração melhor dos trabalhadores e trabalhadoras, de uma destinação mais cuidadosa para os resíduos e assim vai. Normalmente, com a agregação de valor e o ganho de escala, a conta fica vantajosa para quem produz, mas nem sempre a entrada é viável para os pequenos produtores, devido a necessidades que podem começar com a contratação de uma consultoria. Por isso, certos selos têm regras especiais e oferecem treinamento para unidades de agricultura familiar, por exemplo.
Se, nas pesquisas sobre essas questões, uma porcentagem grande dos consumidores declara que se dispõe a pagar mais por compras corretas, o preço, por outro lado, é um impeditivo muito mencionado, o que sugere que certas marcas inflacionam a conversão de valores cidadãos em valores comerciais.
Num mundo como o de hoje, em que na esquina você pode encontrar mercadorias do mundo todo e há uma overdose de informação provinda também de toda parte, os selos de sustentabilidade “traduzem” de bate-pronto uma indicação de compras mais conscientes.
Mesmo com falhas e limitações, o sistema de certificações representa uma ferramenta para a construção de sistemas de produção mais sustentáveis e relações mais justas de comércio.
Para saber mais
Certificação Ambiental – cartilha elaborada para o Sebrae pela agência Envolverde.
Pesquisa Akatu 2018 – Panorama do Consumo Consciente no Brasil: desafios, barreiras e motivações – aborda o grau de consciência e o comportamento dos consumidores, bem como percepção e expectativa quanto às práticas de sustentabilidade e responsabilidade social das empresas.
Escolhas sustentáveis: Como empresas socialmente responsáveis lucram com isso? – artigo sobre pesquisa global da consultoria Nielsen.
Ecolabel Index – diretório internacional de certificações sustentáveis (em inglês).
Iseal – organização global para padrões de sustentabilidade confiáveis (em inglês).
As promessas não cumpridas da Responsabilidade Social Corporativa no Agronegócio brasileiro – contextualização sobre essas políticas no setor e análise sobre seu alcance.
Cresce 55% número de compradores na categoria de Produtos Sustentáveis do Mercado Livre – estudo conduzido pela empresa de e-commerce entre junho de 2019 e maio de 2020.
Barreiras à adoção das certificações sustentáveis por parte de empresas de bens de consumo: uma proposta de sistematização – dissertação em Administração defendida em 2017.
Marcas, Indicações Geográficas, selos e certificações de rastreabilidade em busca da certeza da origem e do conteúdo: o caso do café da Região do Cerrado Mineiro – tese em Biotecnologia Vegetal defendida em 2015.