Patrícia Berton
Resumo em 5 pontos
- A crise do trabalho é mundial.
- Com a pandemia do novo coronavírus, essa crise foi e está sendo agravada.
- No Brasil, 13,8 milhões de pessoas com mais de 14 anos e que estão procurando emprego estão sem trabalho.
- Inovações tecnológicas substituem postos de trabalho por máquinas.
- O subemprego também aumenta.
Se você nasceu nas décadas de 50, 60 ou 70 do século passado, provavelmente foi criado para ter um emprego “com carteira assinada”. Não só um emprego, mas um que fosse para boa parte da vida. Um registro na carteira de trabalho era sinônimo de estabilidade, tanto financeira quanto emocional. Significava que você teria a garantia de uma vida digna – ou ao menos de uma vida com quase todas as contas pagas no fim do mês.
Passadas algumas décadas, o que era comum virou exceção. Segundo dados divulgados mensalmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em agosto de 2020 o Brasil tinha 13,8 milhões de pessoas desempregadas – o que equivale a 14,4% da população com mais de 14 anos, ou sete em cada 100 pessoas nessa faixa. Para essa conta, são consideradas as pessoas que não estão trabalhando, estão procurando emprego e podem começar a trabalhar.
O que vem acontecendo é uma diminuição crescente nos postos de trabalho, causada por uma série de acontecimentos, culminando na pandemia mundial do novo coronavírus, no começo de 2020.
A partir de meados do século 20, com a aceleração do desenvolvimento de inovações tecnológicas, postos de trabalho passaram a ser substituídos por máquinas. O que era conhecido como emprego – trabalho de 40 horas semanais, de segunda a sexta-feira – vem ganhando outros formatos desde então: jornada de trabalho de quatro dias, em vez de cinco; horário de trabalho parcial; contrato de emprego temporário; e por aí afora.
Muitas empresas passaram a contratar empregados sem assinar a carteira de trabalho. O prestador de serviços, como é chamado, tem um CNPJ e emite uma nota pelo serviço prestado. E assina um contrato em que afirma não ter vínculo empregatício. Assim, mesmo trabalhando exatamente como um empregado assalariado, ele não recebe os benefícios de um empregado, como vale-alimentação ou refeição e contribuição da empresa para a sua aposentadoria.
Os subempregos também aumentaram, em um mundo com desemprego em elevação. Estamos falando daqueles empregos que remuneram em valores menores do que o salário mínimo, que não têm registro em carteira e, às vezes, não garantem sequer uma quantia mínima ao trabalhador. Neste último caso incluem-se as chamadas “atividades empreendedoras”, exercidas por trabalhadores sem qualquer garantia, que recebem por serviço prestado. Os entregadores das plataformas digitais que possuem aplicativos, como motoristas particulares e entregadores, são exemplos. Em um contexto de desemprego, o subemprego ou a “atividade empreendedora” pode parecer melhor que nada para os trabalhadores.
Com o surgimento da indústria 4.0, também chamada de 4ª revolução industrial, no início dos anos 2010, a tecnologia possibilitou avanços significativos de automação, o que vem fazendo com que postos de trabalho diminuam dia a dia. Mas o vilão não é somente ela: com a pandemia, a crise do trabalho tende a aumentar em proporções ainda desconhecidas.
Até o início do século 21, para chamar um táxi, era preciso ligar para uma central e ser atendido por uma pessoa que anotava o nome e o endereço. Com o surgimento de aplicativos, hoje um táxi ou motorista particular é chamado por meio de um smartphone. Outro exemplo são as compras online, em que não é preciso sair de casa para adquirir desde um livro ou um arranjo de flores até uma geladeira.
Empregadores, empregados e governos: os atores da crise
A crise do trabalho diz respeito a todo mundo. De um lado, estão os empregadores: donos das empresas, que buscam lucrar em um mundo extremamente competitivo, globalizado e acelerado. De outro, estão os trabalhadores, por vezes representados por sindicatos, que precisam trabalhar para viver dignamente. E, entre esses dois, estão os governos, que podem criar leis que protejam ambos, empregadores e trabalhadores, ou tomar decisões que pendem para somente um lado.
E a crise do trabalho diz respeito ao mundo todo. Ainda que, em países que adotam políticas voltadas para o bem-estar de toda a população, os desempregados contem com iniciativas de apoio – desde um sistema de saúde que funcione para todos até o recebimento de auxílio financeiro e o acesso a programas de capacitação profissional –, o desafio é mundial. Como criar uma sociedade que ofereça o mínimo para todas as pessoas, reduzindo a pobreza e a enorme desigualdade social?
Em alguns países, como o Brasil, as leis trabalhistas vão sendo flexibilizadas para que os empregadores tenham menos gastos com a contratação de empregados. Exemplo disso foi a decisão do governo brasileiro, durante a pandemia, de permitir a redução de salários (e da jornada e trabalho), além da suspensão do contrato de trabalho por um período, permitindo ao empregador não pagar o salário dos funcionários mesmo mantendo-os empregados.
Cabe lembrar que o papel dos sindicatos de proteger os empregados e garantir seus direitos. No fim do século 18, trabalhadores passaram a se reunir para buscar os direitos em uma época em que as máquinas começaram a tomar o lugar das pessoas, durante a Revolução Industrial. Nesses mais de 200 anos desde então, os sindicatos seguem com o mesmo foco: garantir o trabalho decente.
E não estão sozinhos. Desde o começo do século passado, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) atua na promoção do diálogo entre trabalhadores, empregadores e governos. Com 187 Estados-membros, a agência da Organização das Nações Unidas (ONU) tem o propósito de “promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade”.
Ainda que pareça simples, em muitas partes do mundo o trabalho decente está longe de ser uma realidade. Basta olhar para o lado e ver entregadores trabalhando, seja de bicicleta, moto ou carro, sem direito a nada além do pífio pagamento que recebem por entrega.
Para saber mais
OIT (Organização Internacional do Trabalho)
A agência ligada à ONU divulga notícias sobre o mercado de trabalho no Brasil e no mundo e publica estudos e cadernos temáticos sobre trabalho decente, realidade em diferentes setores, trabalho infantil, economia informal e outros.
Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos)
Traz notícias e estudos produzidos sobre economia, mercado de trabalho, igualdade de raça, emprego e outros.
Site em inglês ou espanhol, publica estudos sobre temas diversos, como o futuro do trabalho, tecnologia e consumo.
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
Site possui área exclusiva sobre trabalho, onde são publicados os resultados de pesquisas sobre emprego, economia informal e mercado de trabalho.