Pedro Biondi

Resumo em 5 pontos

  1. Certificações são uma forma de atestar que determinadas informações são verdadeiras.
  2. Nas atividades produtivas, o processo de certificação busca verificar e atestar que as etapas de produção e/ou de comercialização de um produto ou serviço enquadram-se em determinadas exigências. Elas estão listadas em normas que são documentos públicos. Existem certificados obrigatórios e de adesão voluntária.
  3. O enquadramento nessas exigências é verificado por instituições certificadoras independentes, credenciadas pelas instituições que formulam essas normas. Geralmente, o status em dia com esses quesitos é representado por um selo na embalagem, um elemento visual de fácil identificação para quem vai revender ou comprar aquela mercadoria.
  4. O sistema mais conhecido de certificação é o ISO. No Brasil e no mundo, vem crescendo a adesão a selos sustentáveis, como os da Rainforest Alliance, da Fairtrade e da Bonsucro.
  5. Em que pesem suas limitações e falhas, trata-se de uma ferramenta para a construção de sistemas de produção mais sustentáveis e relações mais justas de comércio.

Já ouviu alguém brincar que o trator usado que ele/a quer vender tem “ISO 9000”? Essa sigla numerada, que virou sinônimo de qualidade, denomina o conjunto mais conhecido de normas técnicas do principal sistema de certificação do mundo. ISO é a sigla do nome em inglês da Organização Internacional para Padronização, também traduzido como Organização Internacional de Normalização. O certificado 9000 estabelece um modelo de gestão da qualidade para organizações em geral.

Se você olhar no dicionário, vai ver que “certificação” (ou “certificamento”, termo menos usado no Brasil) é definida como ato ou efeito de certificar, afirmar que um fato é verdadeiro ou que uma informação é exata. Também pode ser o ato de emitir uma certidão. O sentido que estamos usando, que diz respeito a atividades produtivas, junta as duas coisas. Nesse contexto, o processo de certificação busca verificar e atestar que as etapas de produção e/ou de comercialização de um produto ou serviço se enquadram em padrões e sistemas de boas práticas – exigências trabalhistas, ambientais, sanitárias e cidadãs, principalmente.

Como saber que a fábrica daquele tênis para correr como o Usain Bolt não deixa o rio vizinho cinza? Que aquela bolsa baratinha, baratinha não resulta de trabalho escravo? Dá para ter segurança de que um tomate apetitoso não foi plantado em área de preservação?

Para bater o olho e saber

Geralmente, o atestado de conformidade com as normas e padrões de um sistema é representado por um selo na embalagem. É um sinal distintivo, um elemento visual de fácil identificação para quem vai revender, comprar ou fiscalizar aquela mercadoria. Você bate o olho e sabe que a cadeia produtiva, ao menos em tese, enquadrou-se naqueles quesitos (podem acontecer omissões, enganos e até fraudes).

Alguns certificados são de responsabilidade do Estado e têm caráter obrigatório. É o caso do SIF, exigido para a comercialização interestadual ou a exportação de produtos de origem animal. A sigla vem de Serviço de Inspeção Federal, criado há mais de 100 anos e de responsabilidade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Talvez você já tenha visto alguém perguntar se uma certa mercadoria é “sifada”.

Outras certificações, nacionais e internacionais, não são ligadas ao governo, e a adesão das empresas a elas é voluntária. Existem sistemas certificadores criados pelas próprias entidades representativas do setor empresarial. É o caso dos chamados selos Abic, da Associação Brasileira da Indústria de Café. E há instituições sem vínculo com o setor produtivo, ou conduzidas com o envolvimento de vários setores (multissetoriais), que credenciam instituições certificadoras independentes.

Trata-se de um eixo das políticas de responsabilidade  social  corporativa  (RSC),  que no nosso país ganharam corpo na  década  de  90.

Além da existência de normas claras e de caráter público (de livre consulta), os processos certificadores dependem da rastreabilidade, isto é, da possibilidade de verificar todo o caminho – tanto no sentido geográfico como no das etapas – que um produto percorreu até chegar à prateleira. Outro pilar consiste nas auditorias, inspeções para verificar o cumprimento progressivo das condições.

Selos sustentáveis

Boa parte dos processos certificadores dizem respeito a desenvolvimento sustentável, que é resumido como aquele que não prejudica as atuais e as futuras gerações. De forma simplificada, os selos de sustentabilidade asseguram que aquilo que está sendo comprado foi produzido de forma justa para as pessoas e adequada para o meio ambiente. Consta que o primeiro deles, chamado Blue Angel, foi lançado por  uma  companhia  governamental  alemã  em  1978.

Hoje estão presentes da construção civil à criação de galinhas, da pesca em alto-mar à mineração, passando pela produção de frutas e hortaliças. Um  diretório  internacional  chamado Ecolabel Index contabiliza  41 selos desse tipo em atuação no Brasil e 456  no mundo,  originários  de  199  países e de  25  setores  da indústria. De acordo com um trabalho acadêmico que você pode conferir nas sugestões de leitura (ao fim do texto), de 1993 a 2010 foram criados quase seis novos selos por ano.

No nosso país, os três principais em atuação são os da Rainforest Alliance (em português, “aliança da floresta tropical”), da Fairtrade (“comércio justo”) e da Bonsucro, do setor sucroalcooleiro (da cana-de-açúcar).

O bolso manda

As pesquisas mostram que a quase totalidade da população brasileira vê a natureza como muito importante e se preocupa com o que acontece com ela. Vários levantamentos, nos planos nacional e internacional, mostram também que boa parte das pessoas se preocupa com os impactos ambientais e sociais nas suas compras. Por outro lado, muita gente tem dificuldade ou pouca paciência para ler os rótulos.

Segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a adoção da certificação sustentável traz as seguintes vantagens:

  • maior qualidade do produto ou serviço oferecido;
  • diferenciação dos concorrentes;
  • acesso a novos mercados ou nichos;
  • possibilidade de mais linhas de crédito;
  • melhoria da imagem da empresa.

No caso do café, os produtos chamados diferenciados (categoria que abrange os de qualidade superior e os certificados) valem, em média, 25% a mais que os comuns, na exportação. Na área madeireira, desde 2013 é proibida a venda de madeira e produtos derivados sem comprovação de sua legalidade em toda a União Europeia.

O cumprimento de determinadas normatizações, como o ISO 14001, pode baratear processos produtivos com base na economia de água, energia, papel e matéria-prima, enquanto a adesão a outros sistemas pode aumentar custos, em função de uma remuneração melhor dos trabalhadores e trabalhadoras, de uma destinação mais cuidadosa para os resíduos e assim vai. Normalmente, com a agregação de valor e o ganho de escala, a conta fica vantajosa para quem produz, mas nem sempre a entrada é viável para os pequenos produtores, devido a necessidades que podem começar com a contratação de uma consultoria. Por isso, certos selos têm regras especiais e oferecem treinamento para unidades de agricultura familiar, por exemplo.

Se, nas pesquisas sobre essas questões, uma porcentagem grande dos consumidores declara que se dispõe a pagar mais por compras corretas, o preço, por outro lado, é um impeditivo muito mencionado, o que sugere que certas marcas inflacionam a conversão de valores cidadãos em valores comerciais.

Num mundo como o de hoje, em que na esquina você pode encontrar mercadorias do mundo todo e há uma overdose de informação provinda também de toda parte, os selos de sustentabilidade “traduzem” de bate-pronto uma indicação de compras mais conscientes.

Mesmo com falhas e limitações, o sistema de certificações representa uma ferramenta para a construção de sistemas de produção mais sustentáveis e relações mais justas de comércio.

Para saber mais

Certificação Ambiental – cartilha elaborada para o Sebrae pela agência Envolverde.

Pesquisa Akatu 2018 – Panorama do Consumo Consciente no Brasil: desafios, barreiras e motivações – aborda o grau de consciência e o comportamento dos consumidores, bem como percepção e expectativa quanto às práticas de sustentabilidade e responsabilidade social das empresas.

Escolhas sustentáveis: Como empresas socialmente responsáveis lucram com isso? – artigo sobre pesquisa global da consultoria Nielsen.

Ecolabel Index – diretório  internacional  de  certificações  sustentáveis (em inglês).

Iseal – organização global para padrões de sustentabilidade confiáveis (em inglês).

As promessas não cumpridas da Responsabilidade Social Corporativa no Agronegócio brasileiro – contextualização sobre essas políticas no setor e análise sobre seu alcance.

Cresce 55% número de compradores na categoria de Produtos Sustentáveis do Mercado Livre – estudo conduzido pela empresa de e-commerce entre junho de 2019 e maio de 2020.

Barreiras à adoção das certificações sustentáveis por parte de empresas de bens de consumo: uma proposta de sistematização – dissertação em Administração defendida em 2017.

Marcas, Indicações Geográficas,  selos  e certificações de rastreabilidade em busca da certeza da origem e do conteúdo: o caso do café   da   Região   do Cerrado Mineiro – tese em Biotecnologia Vegetal defendida em 2015.

Patrícia Berton

Resumo em 5 pontos

  1. Certificações que buscam assegurar a adoção de boas práticas são usadas no mundo todo.
  2. Alguns modelos de certificação, como a Fairtrade International, a Rainforest Alliance e a Bonsucro, promovem o desenvolvimento sustentável da cadeia de produção de ponta a ponta, desde o cultivo do produto até a sua chegada às prateleiras.
  3. Agricultores que obtêm certificações recebem apoio para desenvolver sua produção aumentando a qualidade do plantio, melhorando o preço de venda e diminuindo seus gastos.
  4. Temas como igualdade de gênero, trabalho infantil, direitos dos trabalhadores e direitos humanos também fazem parte dos treinamentos oferecidos para os agricultores.
  5. A adoção de selos auxilia consumidores na hora de escolher os produtos que irão comprar, privilegiando organizações mais responsáveis.

Existem muitas maneiras de promover o desenvolvimento sustentável. Uma delas é a adoção de um selo, representação visível e simples de uma certificação que assegura que aquilo que está sendo comprado foi produzido de forma justa para as pessoas e adequada para o meio ambiente. Seria o equivalente a você comprar um vidro de geleia em um sítio em que você sabe que os empregados são contratados e têm seus direitos respeitados e que as árvores frutíferas são cultivadas sem agrotóxico, em vez de comprar no sítio vizinho, onde trabalhadores são mantidos sem um salário fixo e, no pomar, são usados agrotóxicos para combater pragas.

E se você quisesse comprar bananas e estivesse na Alemanha? As frutas serão importadas, e você não tem como saber quais são as condições de trabalho e de vida das pessoas envolvidas no plantio e na colheita das frutas. Possivelmente, em um mundo não globalizado, a existência de uma sinalização como essa não faria diferença. No entanto, vivemos em um mundo altamente globalizado. E desigual.

Os consumidores e consumidoras têm uma participação importante. Ao comprar produtos certificados – embora essas certificações tenham limites e falhas – a pessoa colabora para melhorar a vida de agricultores e trabalhadores e para que empresas atuem de forma mais responsável.

Fairtrade International

Fair trade significa “comércio justo”, ou seja, uma transação em que o produtor recebe um valor justo por aquilo que ele está vendendo. O selo Fairtrade International vai muito além do conceito de pagar um preço justo pelo produto que está sendo comprado.

Com a missão de conectar agricultores marginalizados aos consumidores, promover condições mais justas de comércio e empoderar produtores, o Fairtrade International tem mais de 1,7 milhão de pequenos produtores rurais e trabalhadores de países em desenvolvimento envolvidos em sua cadeia. São mais de 2.400 licenças, que incluem mais de 30 mil produtos com o selo no mundo todo.

A certificação atesta que aquela mercadoria foi produzida e comercializada levando em consideração padrões sociais, econômicos e ambientais. A atuação da Fairtrade aborda trabalho infantil, mudanças climáticas, padrão de vida decente, meio ambiente, trabalho forçado, igualdade de gênero, direitos humanos, direitos dos trabalhadores e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).

Isso acontece por meio da atuação da Fairtrade com os agricultores, que recebem treinamento e apoio financeiro do pessoal que trabalha em campo para alcançar os padrões exigidos para a certificação. A base de toda a ação desenvolvida com os pequenos produtores rurais e com os trabalhadores é incentivar a organização do trabalho. Os programas oferecidos incluem temas como mudanças climáticas, gênero, direitos dos trabalhadores, trabalho infantil e gestão financeira.

São muitos os produtos que podem levar o selo Fairtrade. Um dos mais conhecidos é o café. Mas a lista inclui banana, sorvete, arroz, cacau, açúcar, mel, frutas secas, nozes, vinho, leite, flores, algodão e até bolas de futebol.

E, para colocar os trabalhadores rurais, que costumam estar à margem do mercado, no centro da tomada de decisões, os produtores certificados pela Fairtrade participam das decisões das assembleias gerais da organização, com direito a 50% dos votos.

Rainforest Alliance

Também voltado a agricultores, mas não apenas, o selo da Rainforest Alliance ficou conhecido como “selo do sapinho”. Criado em 1987, pode ser encontrado em produtos como cacau, chá, nozes, café e banana. O sapinho – na verdade, uma perereca – identifica que os produtores e as empresas envolvidas naquele produto promovem impacto social e ambiental positivo.

O programa de certificação da Rainforest Alliance envolve diretamente mais de 2 milhões de produtores rurais, em 60 países. Durante o processo para serem certificados, os agricultores recebem assistência para melhorar a qualidade da sua plantação, adaptar-se às mudanças climáticas, aumentar a produtividade da propriedade e reduzir seus custos. Por outro lado, as empresas, ao comprarem produtos com o selo, garantem a qualidade da matéria-prima que utilizam.

A certificação Rainforest Alliance tem como missão “criar um futuro melhor para as pessoas e a natureza, transformando negócios responsáveis no novo normal”, segundo ao organização.

Bonsucro

Voltada especificamente para a cadeia da cana-de-açúcar, a Bonsucro é uma organização sem fins lucrativos que atua em todo o mundo para promover a produção, o processamento e a comercialização sustentável dessa planta. Soma mais de 550 membros em mais de 50 países, incluindo fazendeiros, donos de usinas, comerciantes, indústrias e organizações.

Criado em 2011, o selo Bonsucro atesta que toda a produção seguiu padrões de boas práticas. Isso inclui o respeito às pessoas, comunidades, negócios e meio ambiente envolvidos na produção de uma das mais importantes commodities agrícolas do mundo.

Antes dos selos

Ainda que o uso de selos seja uma forma clara de sinalizar a procedência de um produto, existem empresas que, mesmo antes de os selos serem criados, já levavam em conta as boas práticas para desenvolver o negócio.

Um exemplo é uma marca de sorvetes dos Estados Unidos que, desde que foi criada por dois amigos, em 1978, pratica o comércio justo na aquisição de matéria-prima. No site da marca, a lista de temas com os quais a empresa declara se importar inclui uma economia global e justa, o meio ambiente e refugiados.

Outro exemplo é o de uma fabricante de cosméticos inglesa criada em 1976. A marca fez uma campanha para salvar baleias em 1986 e, um ano depois, lançou seu primeiro produto de comércio justo. Em 89, sua fundadora criou uma campanha contra testes em animais, o que tornaria seus cosméticos conhecidos em todo o mundo como “verdes”.

Para saber mais

Rainforest Alliance – Site do “selo do sapinho”. Em inglês

Fairtrade International – site do selo Fairtrade, em inglês

Fair Trade USA – site do selo Fair Trade USA, em inglês. Originalmente fazia parte da Fairtrade International, mas tornou-se independente em 2011 e atua nos EUA

Bonsucro – site da certificação Bonsucro, em inglês. Documento em português sobre a organização, originalmente publicado (em inglês) em 2013

Eloise De Vylder

Resumo em 5 pontos

  1. A Rainforest Alliance, conhecida pelo selo do sapinho (na verdade, uma perereca), é uma das principais certificadoras socioambientais do mundo.
  2. A certificação tem como objetivo garantir boas práticas na produção agrícola, combatendo, por exemplo, o trabalho forçado e infantil e promovendo a agricultura sustentável.
  3. O selo de certificação é uma exigência de setores do mercado internacional, como indústrias e redes de supermercados, para a compra de produtos brasileiros tais como café, cacau e cítricos.
  4. Para obter o selo, o produtor rural tem de cumprir os critérios de uma norma extensa que, entre outras coisas, exige o fim do desmatamento nas propriedades, a contratação e pagamento correto dos trabalhadores e uso seguro de agrotóxicos.
  5. Apesar de auditorias independentes, os sistemas de certificações apresentam falhas e, no Brasil, produtores certificados com o selo da Rainforest Alliance já foram flagrados por utilizar trabalho escravo.

Você já parou em frente à gôndola do supermercado e se perguntou quem colheu o cacau do seu chocolate favorito? Ou se a carne que você compra no açougue veio de rebanhos criados em áreas desmatadas? Ou ainda se o café que você toma de manhã foi produzido com agrotóxicos proibidos em outros países?

Consumidores têm se questionado cada vez mais sobre a origem dos produtos que compram, não só preocupados em ter uma alimentação saudável, mas também pensando no impacto ambiental e nas violações de direitos humanos presentes na produção de coisas que consumimos no dia a dia.

Para atender a esta demanda crescente por produtos de boa procedência, muitos produtores têm aderido a normas de certificação socioambiental, que atestam que eles adotam boas práticas de produção que, entre outras coisas, zelam pela conservação ambiental e pelo bem-estar dos trabalhadores.

Uma dessas certificações é a da Rainforest Alliance (RA), uma aliança internacional de agricultores, comunidades florestais, companhias e consumidores comprometidos com a sustentabilidade ambiental, social e econômica de produtos agrícolas, florestais e empreendimentos turísticos.

A Rainforest Alliance, que em 2018 passou por uma fusão com a certificadora de café, cacau e chá UTZ, atua desde 1987 e hoje está presente em mais de 70 países que possuem projetos de sustentabilidade e/ou produtores certificados. A aliança conta com mais de 2 milhões de agricultores e mais de 5 milhões de hectares certificados no mundo inteiro. É possível comprar produtos com o selo de certificação da Rainforest Alliance e da UTZ em mais de 170 países.

O selo de certificação socioambiental da RA é exigido por setores do mercado internacional, como supermercados e indústrias, para a compra de produtos agrícolas e florestais brasileiros. Os principais produtos certificados por ela no Brasil são café, cacau e cítricos.

Mas o que significa na prática a certificação?

No caso de produtos agrícolas, para obter o selo, o produtor se compromete a atender os critérios da norma de agricultura sustentável da Rainforest Alliance, que prevê a conservação da biodiversidade e dos recursos naturais e melhores meios de vida e bem-estar humano para os trabalhadores.

Intolerância ao trabalho infantil e ao trabalho forçado, à discriminação, ao assédio e à violência no local de trabalho, ausência de transgênicos na propriedade, uso reduzido de pesticidas, restrições à pulverização aérea de agrotóxicos, manutenção da vegetação natural, proteção de espécies ameaçadas e da flora e fauna nativas, uso eficiente da água, reúso ou reciclagem de resíduos fazem parte dos requisitos da norma para a agricultura sustentável. O produtor também se submete a auditorias independentes que avaliam se está cumprindo as exigências de sustentabilidade ambiental, social e econômica para obter ou renovar a certificação.

Após a fusão com a UTZ, a Rainforest Alliance lançou um novo programa de certificação que incluiu a revisão da norma de agricultura sustentável. A norma RAS (Rede de Agricultura Sustentável/Rainforest Alliance Certified) agora permite ao produtor um tempo maior para implantar os itens previstos de boas práticas agrícolas, proteção e recuperação ambiental e capacitação de funcionários, entre outros. A nova norma, que passa a valer em julho de 2021, também incorpora temas como agricultura climaticamente inteligente e medidas contra o impacto dos agrotóxicos na fauna silvestre, incluindo insetos polinizadores.

No que diz respeito à questão climática, o programa de certificação promove métodos de manejo responsável da terra que aumentam o armazenamento de carbono, evitando o desmatamento, que alimenta as emissões de gases de efeito estufa. A metodologia orienta os agricultores a desenvolverem a resiliência a secas, inundações e erosão.

Violações de direitos humanos

Apesar dos critérios claros de intolerância ao trabalho infantil e ao trabalho forçado, nenhuma norma de certificação é garantia absoluta contra abusos aos direitos humanos.

No Brasil, empresas certificadas pela Rainforest Alliance e pela UTZ já foram inseridas na “lista suja” do trabalho escravo ou flagradas com a prática, como a Cutrale e a Fazenda Córrego das Almas, produtora de café em Piumhi (MG), segundo reportagens da Repórter Brasil. Questionada, a Cutrale argumentou que as fazendas certificadas não são as mesmas que estão na lista do trabalho escravo. A Rainforest Alliance respondeu que não certifica companhias, mas fazendas e plantações que cumpram as exigências da norma de agricultura sustentável. No caso da fazenda de café, o selo da UTZ foi suspenso após a certificadora ser questionada pela Repórter Brasil sobre o flagrante de trabalho escravo na propriedade.

Violações aos direitos humanos em fazendas de cacau que possuem o selo UTZ também foram denunciadas em outubro de 2019 pelo Washington Post. O jornal publicou uma reportagem mostrando que produtores de cacau certificados pela UTZ no Oeste da África usavam trabalho infantil e tinham um papel importante no desmatamento da região. O cacau certificado do Oeste africano é comprado por grandes empresas de chocolate como Mars, Nestlé e Hershey. No Brasil, segundo reportagem da Repórter Brasil, fazendas de cacau também receberam o selo da UTZ após flagrante de trabalho escravo, mas hoje o certificado não está mais válido.

Para combater tais violações, a nova norma de agricultura sustentável da Rainforest Alliance propõe uma nova abordagem centrada na avaliação de riscos e na participação das comunidades locais para prevenir e resolver questões ligadas a trabalho infantil, trabalho forçado, discriminação, violência e assédio no local de trabalho.

Para saber mais

Rainforest Alliancesite oficial.

Ecocert – O que é e como conseguir o selo Rainforest Alliance Certified.

Imaflora – Instituto pioneiro na implantação das normas da Rainforest Alliance no Brasil.

Rainforest Alliance Norma de Agricultura Sustentável – Íntegra da nova norma, publicada em junho de 2020.

Mesmo na lista suja, Cutrale tem fazendas certificadas com selo de “boas práticas”

Fazenda de café certificada pela Starbucks é flagrada com trabalho escravo

Chocolate com trabalho escravo: as violações trabalhistas na indústria do cacau no Brasil

Pedro Biondi

Resumo em 5 pontos

  1. O Bonsucro, do setor sucroalcooleiro, é um dos principais selos de sustentabilidade presentes no Brasil e no mundo.
  2. Esses selos atestam conformidade com as normas e padrões de um sistema certificador baseado em critérios sociais e ambientais.
  3. A Bonsucro é uma organização sem fins lucrativos que soma mais de 550 membros em mais de 50 países, incluindo fazendeiros, donos de usinas, comerciantes, indústrias e organizações.
  4. O padrão se baseia em obediência à lei, respeito aos direitos humanos e os padrões de trabalho, eficiência e proteção da biodiversidade e dos ecossistemas.
  5. Segundo a Bonsucro, 5,8% das terras dedicadas à cana no planeta são certificadas pela plataforma, com produção de 72 milhões de toneladas, e o número de usinas com o selo saltou de 49 em 2015 para 123 em 2019.
  6. Além de segmento de destaque no agronegócio nacional, a produção canavieira permeia toda a história do nosso país e sempre esteve ligada a trabalho muito pesado. Embora esse aspecto venha melhorando, casos graves continuam envolvendo até gigantes do setor.

O Bonsucro, do setor sucroalcooleiro, é um dos principais selos de sustentabilidade presentes no Brasil e no mundo. Esses selos atestam conformidade com as normas e padrões de um sistema certificador baseado em critérios sociais e ambientais. Consistem num sinal distintivo, um elemento visual de fácil identificação para quem vai revender, comprar ou fiscalizar aquela mercadoria. Grosso modo, asseguram que aquilo que está sendo comprado foi produzido de forma justa para as pessoas e adequada para o meio ambiente

Esse tipo de certificação representa um eixo das políticas de responsabilidade  social  corporativa  (RSC),  que no nosso país ganharam corpo na  década  de  90. Elas compreendem medidas de caráter privado e voluntário.

Voltada especificamente para a cadeia da cana-de-açúcar, a Bonsucro é uma organização sem fins lucrativos que atua em todo o mundo para promover a produção, o processamento e a comercialização sustentável dessa planta. Soma mais de 550 membros em mais de 50 países, incluindo fazendeiros, donos de usinas, comerciantes, indústrias e organizações. Entre as associadas constam gigantes como a Unilever, a Coca-Cola, a Nestlé, a Pepsico, a Shell e a Cargill.

Criado em 2011, o selo da Bonsucro atesta que a produção certificada por ele seguiu padrões de boas práticas. Isso inclui o respeito às pessoas, comunidades, negócios e meio ambiente envolvidos na produção dessa que é uma das mais importantes commodities agrícolas do mundo. Foi o primeiro padrão métrico mundial de tal cadeia produtiva.

Além de estabelecer princípios e critérios para a sustentabilidade na produção e nos outros elos da cadeia, a plataforma define os requisitos para permitir o rastreamento de produtos derivados da cana em conformidade com o padrão europeu.

O Padrão de Produção Bonsucro trata de aspectos como: eficiência técnica na agricultura e na moagem; condições de saúde e de segurança para os trabalhadores; proteção de terras com alta biodiversidade; renda; poluição na aplicação de fertilizantes; engajamento com comunidades locais; efeitos adversos no fornecimento de água; problemas fundiários; e respeito às leis e convenções internacionais.

Tal padrão se ancora em cinco princípios:

  • obedecer à lei;
  • respeitar os direitos humanos e os padrões de trabalho;
  • administrar o input, a produção e as eficiências no processamento para aumentar a sustentabilidade;
  • administrar ativamente a biodiversidade e os serviços do ecossistema;
  • melhorar continuamente as áreas chave do negócio.

Esses pilares desdobram-se em 28 critérios. Uma ferramenta chamada Calculadora Bonsucro mede a conformidade do funcionamento de usinas ou plantações com esses parâmetros, traduzindo os dados fornecidos em 69 indicadores. As usinas e os produtores agrícolas que se qualificam podem vender produtos certificados ao mercado de duas formas: o embarque físico (compra/venda direta) ou créditos num sistema de negociação.

Segundo a Bonsucro, 5,8% das terras dedicadas à cana no planeta são certificadas pela plataforma, com produção de 72 milhões de toneladas na safra 2018-19 (quase 10% acima da anterior). O número de usinas certificadas saltou de 49 em 2015 para 123 em 2019. A marca mais impressionante do último ano diz respeito ao mercado de créditos, que triplicou.

Trabalho pesado como constante

O Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar e o segundo de etanol. O setor sucroalcooleiro responde por um décimo da economia do agronegócio, que por sua vez, representa um quinto do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Isso quer dizer que, de cada 100 reais produzidos no nosso país, 2 vêm da cadeia produtiva de açúcar, etanol e outros derivados (que inclui cachaça, melaço e biodiesel). A cana ocupa 1 de cada 7 hectares cultivados no país e na safra 2019-2020 foram colhidas 642,7  milhões  de  toneladas.

A história da cana confunde-se com a do próprio Brasil. Base para a consolidação da colonização do nosso território pelos portugueses, ela permaneceu como principal produto do país mesmo depois que seu ciclo perdeu força com a concorrência da produção no Caribe.

Essa pujança, no entanto, foi construída com intensa exploração de trabalhadores e em alguns casos ainda se aproveita dela. Durante os quase quatro séculos do período colonial e imperial, a escravidão negra era o alicerce dos engenhos. Na década de 1970, quando o setor voltou ao centro da agenda nacional com o Proálcool – programa da ditadura militar criado para incentivar a produção de etanol e reduzir nossa dependência do petróleo importado –, ficou famosa a vida sofrida dos chamados “boias-frias”.

Nas últimas décadas, a mecanização vem substituindo o trabalho humano e já responde pela maior parte da colheita nas principais regiões produtoras. Paralelamente a esse processo, melhoraram as condições de trabalho na colheita manual. Mas entre 2003 e 2013, fiscais do Ministério do Trabalho resgataram dos canaviais quase 11 mil trabalhadores em situação análoga à escravidão. Também há registro de sobrecarga entre operadores de colheitadeiras, como turnos de até 27 horas.

Ainda que os casos venham se tornando menos frequentes por conta da fiscalização, sob pressão da sociedade, da imprensa e dos compradores internacionais – mas talvez também, no passado recente, em função da redução dos grupos móveis –, há apenas dois anos auditores-fiscais autuaram três propriedades rurais na região de Piracicaba, interior de São Paulo, por manter cerca de 80 cortadores de cana sem carteira assinada e submetidos a jornadas excessivas, cortando até 22 toneladas por dia e dormindo em alojamentos precários.

As fazendas eram fornecedoras da Raízen, multinacional formada por Shell e Cosan que fabrica etanol e é uma das maiores exportadoras de açúcar do mundo – e que é membro da Bonsucro. Um dos braços da companhia, a Raízen Combustíveis, figurava como 20ª maior devedora de contribuições sociais, tributos que compõem o orçamento da Seguridade Social.

Outra preocupação reside no avanço da monocultura sobre áreas de agricultura familiar.  No começo do boom (“estouro”) dos agrocombustíveis, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) levantou a possibilidade de que essa nova frente econômica afetasse a segurança alimentar e nutricional nas suas regiões e em nível global, encolhendo os cultivos alimentares. No contexto brasileiro se constata que a implantação de uma usina e dos canaviais para atendê-la geralmente reduz a área plantada de gêneros alimentares, faz faltar mão de obra para a agricultura familiar e aumenta os preços locais dos alimentos, absorvendo, em compensação, parte desses pequenos produtores como safristas.

A Bonsucro declara ter investido US$ 839 mil (cerca de R$ 4,5 milhões) em projetos de impacto – incluindo apoio a pequenos produtores e ao desenvolvimento local – em 2019. Vale lembrar que o montante movimentado pelo setor no mundo está na casa das centenas de bilhões de dólares.

De acordo com a organização, as fazendas certificadas praticam salários em média 20% acima do mínimo nacional e excedem sua meta de produtividade em uma média de 8,65 toneladas por hectare.

Nas usinas, segundo o relatório de 2019, a adesão às exigências do selo reduziu as emissões de gás carbônico (CO2) em 5,5% após apenas um ano, ajudando, portanto, a combater as mudanças climáticas. Outro dado publicado aponta que a produção de açúcar certificado, de 4,9 milhões de toneladas, usou 2,2 milhões de metros cúbicos (m³) a menos de água do que em 2017.

Nos primeiros cinco anos de certificação, ainda conforme a Bonsucro, a ocorrência de acidentes foi reduzida em 38% nas fazendas e 48% nas usinas.

Um novo teste aos limites da efetividade desse tipo de instrumento estará nos impactos dessa cultura na Amazônia, no Pantanal e na Bacia do Alto Paraguai nos próximos anos. Um decreto de 2019 do presidente Jair Bolsonaro derrubou a proibição que vigorou por uma década à expansão do cultivo de cana nas três regiões. Até então, essa limitação contava com o apoio inclusive dos pesos-pesados do setor, preocupados com a imagem da mercadoria brasileira no exterior.

Para saber mais

Site da plataforma Bonsucro  (em inglês).

Documento em português sobre a organização, originalmente publicado (em inglês) em 2013.

Bonsucro Outcome Report 2019 – mais recente relatório de resultados da entidade.

Boletim da safra de cana de açúcar – levantamentos trimestrais da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única) – é a entidade representativa das principais empresas produtoras de açúcar, etanol e bioeletricidade da região Centro-Sul do Brasil.

Observatório da Cana – espaço dedicado à divulgação de dados, informações e estudos sobre o setor sucroenergético no Brasil. Portal mantido pela Única em parceria com entidades e empresas do setor e dois centros de pesquisa.

As condições de trabalho no setor sucroalcooleiro – fôlder de 2014 da Repórter Brasil.

Após explosão das queimadas, cana-de-açúcar é nova ameaça à Amazônia e ao Pantanal – matéria de 2019 de Repórter Brasil com a posição de diferentes atores sobre a mudança.

Dez perguntas sobre o zoneamento da cana – contestação do Observatório do Clima aos argumentos do governo e da indústria.

Pedro Biondi

Resumo em 5 pontos

A certificação busca verificar e atestar que as etapas de produção e/ou de comercialização de um produto ou serviço se enquadram em padrões e sistemas de boas práticas.

Estima-se que se encontram no país mais de 40 selos de sustentabilidade. Eles fornecem um elemento para a escolha dos consumidores e ajudam as empresas a atingir mercados ou nichos mais exigentes, além de cobrar mais pelo que vendem.

São uma ferramenta para a construção de sistemas de produção mais sustentáveis e relações mais justas de comércio – um instrumento que tem suas limitações e falhas.

As exigências das plataformas certificadoras podem preencher temporariamente lacunas da legislação ou de sua execução.

Grandes empresas ou seus fornecedores já foram flagrados em práticas vetadas pelos selos que elas ostentam.

O processo de certificação busca verificar e atestar que as etapas de produção e/ou de comercialização de um produto ou serviço se enquadram em padrões e sistemas de boas práticas – exigências trabalhistas, ambientais, sanitárias e cidadãs, principalmente. Geralmente, o atestado de conformidade é representado por um selo na embalagem, um elemento de fácil identificação.

Enquanto alguns certificados são de responsabilidade do Estado e têm caráter obrigatório – caso do SIF, exigido para a comercialização interestadual ou a exportação de produtos de origem animal –, muitos outros são de natureza privada e voluntária. Trata-se de um eixo das políticas de responsabilidade  social  corporativa  (RSC),  que no Brasil ganharam corpo na  década  de  90.

Estima-se que se encontram no país mais de 40 selos de sustentabilidade, aqueles que, numa explicação simplificada, garantem que uma mercadoria foi produzida (ou um processo, conduzido) de forma justa para as pessoas e adequada para o meio ambiente.

Habilitar-se a ostentar esses selos ajuda as empresas a atingir mercados mais exigentes (como o europeu) ou nichos de consumidores que se preocupam com tais questões, além de cobrar mais pelo que vendem.

São, portanto, uma ferramenta para a construção de sistemas de produção mais sustentáveis e relações mais justas de comércio – um instrumento que tem suas limitações e falhas.

Potencial e limites

As certificações, como outras políticas de RSC, podem ter papel relevante no sentido de promover, por exemplo, inovações produtivas que reduzam os impactos do ciclo de vida de um produto (da extração de matéria-prima até o descarte). São melhorias que ora atendem novas demandas do consumidor, ora estimulam que essa consciência avance ou se consolide. Afinal, a edição de 2018 de uma pesquisa do Instituto Akatu mostrou que, embora cresça a procura por reciclados e orgânicos, só um quarto dos consumidores e consumidoras podem ser considerados conscientes ou engajados com relação a sustentabilidade e quase metade não costuma ler os rótulos ao comprar. Uma das barreiras mais mencionadas foi a falta de informação.

As exigências das plataformas certificadoras podem preencher temporariamente lacunas da legislação ou de sua execução. Se o governo de um país ignora o dever constitucional de proteger seus povos indígenas e florestas, um selo sustentável pode diferenciar produtos que os valorizem. Se a política nacional de abastecimento deixa os pequenos produtores a descoberto, sem garantia de preço mínimo, critérios de comércio justo podem melhorar os ganhos desse elo da cadeia.

Isso se aplica a outras situações, como falta de estrutura para atuação dos grupos móveis de fiscalização trabalhista, ou a possibilidade de um grande fazendeiro empurrar o pagamento de multas ambientais por anos recorrendo administrativamente, e mesmo em âmbito judicial, quando condenado. Trabalho escravo ou infantil, discriminação, desmatamento e uso de agrotóxicos proibidos são ocorrências que podem banir uma empresa de uma plataforma de sustentabilidade.

A Bonsucro, entidade que reúne mais de 550 membros do setor sucroenergético no mundo todo, afirma que as fazendas e usinas de açúcar e etanol que se habilitam a ostentar seu selo aumentam a produtividade, economizam água, baixam as emissões de gás carbônico, reduzem o índice de acidentes e elevam os salários dos seus trabalhadores.

Porém, as organizações certificadoras não têm o papel fiscal e punitivo de mecanismos do poder público e não se integram aos sistemas de dados da administração pública. As principais consequências para um CNPJ “pego no pulo” em más práticas e excluídas por essas plataformas consistem, geralmente, em perda de vendas ou danos à imagem da marca.

Assim como órgãos e agentes governamentais, as organizações e pessoas por trás desses sistemas têm seus interesses e podem ceder a pressões. Auditorias podem ignorar descumprimentos eliminatórios, selos menos rigorosos podem ser criados – confundindo quem quer só elemento para uma escolha sem dilema no supermercado – e por aí vai.

O fato de as visitas de auditores serem previamente agendadas em parte desses sistemas pode permitir “maquiagem” das condições em uma fazenda ou fábrica. Uma prática relativamente frequente de companhias transacionais consiste em adotar processos “verdes” avançados na produção destinada a mercados exigentes e condições bem piores naquela dirigida à circulação nacional ou regional. Quando flagradas, essas contradições podem causar estrago na imagem do grupo e levar a sanções de dentro da própria corporação (por pressão de acionistas que não querem perder dinheiro), mas isso nem sempre vem à tona.

Casos concretos

No Brasil, empresas certificadas pela Rainforest Alliance e pela UTZ já foram inseridas na “lista suja” do trabalho escravo ou flagradas com a prática, como a Cutrale, gigante da laranja, e a Fazenda Córrego das Almas, produtora de café em Piumhi (MG). Outros problemas apurados foram trabalho informal, irregularidades no uso de agrotóxicos e queixas de pagamento inferior à metade do salário mínimo. Fazendas fornecedoras da Raízen foram autuadas por manter cerca de 80 cortadores de cana sem carteira assinada e submetidos a jornadas excessivas, cortando até 22 toneladas por dia e dormindo em alojamentos precários. A multinacional formada por Shell e Cosan é uma das maiores exportadoras de açúcar do mundo e integra a Bonsucro.

Violações aos direitos humanos em fazendas de cacau que possuem o selo UTZ também foram denunciadas em 2019 pelo Washington Post. O jornal mostrou que produtores certificados no Oeste da África usavam trabalho infantil e contribuíam para o desmatamento da região. A matéria-prima é comprada por grandes empresas de chocolate como Mars, Nestlé e Hershey.

Em 2013, um relatório publicado nos Estados Unidos concluiu que o modelo de auditoria instituído pela iniciativa empresarial sob a bandeira de “responsabilidade social” na cadeia produtiva de corporações transnacionais “nunca vai conseguir empregos decentes e seguros para os milhões de trabalhadores alocados na ponta da economia mundial”.

Organizado por uma das principais centrais sindicais do país, a AFL-CIO, o estudo relembra acidentes – incluindo um incêndio com mais de 250 vítimas fatais – e denuncia as péssimas condições laborais em fábricas na Ásia e na América Latina. Os “20 anos de fracasso na proteção” se deveriam à “avassaladora influência de empresas e governos” sobre as duas principais organizações responsáveis pelos processos de auditoria e de certificação social no mundo.

As certificações de adesão voluntária estão em aperfeiçoamento desde então e constantemente. O trabalho de campo e entrevistas realizadas pela Repórter Brasil mostram que se trata de ferramentas relevantes de promoção de avanços socioambientais, mas que não substituem a ação do Estado e a vigilância da sociedade civil, nem garantem processos produtivos perfeitos.

Para saber mais

Certificação Ambiental – cartilha elaborada para o Sebrae pela agência Envolverde.

As promessas não cumpridas da Responsabilidade Social Corporativa no Agronegócio brasileiro – contextualização sobre essas políticas no setor e análise sobre seu alcance.

Estudo critica modelo de auditoria social privado – reportagem sobre relatório publicado nos Estados Unidos em 2013 que compila falhas nos sistemas de fiscalização e auditoria trabalhista.

Café certificado, trabalhador sem direitos. Boletim Monitor – publicação da Repórter Brasil de 2016.

Barreiras à adoção das certificações sustentáveis por parte de empresas de bens de consumo: uma proposta de sistematização – dissertação em Administração defendida em 2017.

Pesquisa Akatu 2018 – Panorama do Consumo Consciente no Brasil: desafios, barreiras e motivações – aborda o grau de consciência e o comportamento dos consumidores, bem como percepção e expectativa quanto às práticas de sustentabilidade e responsabilidade social das empresas.

Ecolabel Index – diretório  internacional  de  certificações  sustentáveis (em inglês).

Iseal – organização global para padrões de sustentabilidade confiáveis (em inglês).